sábado, 28 de novembro de 2009

A culpa é da chuva


obra de: Alberto Viana D'almeida

A culpa é da chuva
Regina Romeiro

A culpa é da chuva
Da água que urra no escuro salgando pálpebras
Tecidos
Da fresta gotejam constantes pingos em is

Frenesis soterrados permitem brotar os assombros
Os olhos do escuro piscam
Sinal a sinal os anais, ano após ano, dia após dia
Lua a lua sol a sol o domínio

Dos claros sóis agora da chuva o escuro
A culpa é da chuva, do estar no escuro
E só
Com os sinais os anais

Mal estar é estar ouvindo no escuro
Histórias de sempre
Mentem e metem aos olhos fechados
Histórias do olho do rei

sexta-feira, 27 de novembro de 2009

A festa acabou


arte:Girl_Charlie Mackesy

A festa acabou
Regina Romeiro

Consiste o cisco em peso
Sobre e contra. Afronta
Uma de cada vez continuada
Pressão contenção invasão
Tampa apertada não abre. Explode

Sobem sob riscos os desenhos expostos do dia
Contornos imperfeitos encrespados agridem papel
Quadros que pedem molduras, arcos. Também flechas
Ligeiras são. Na ponta da lança a razão
Pontuada na ponta do lápis afiado. Correção

Correm soltas e livres enormes palavras. Palavrões
Atropelam-se sobre as pedras ladeira abaixo
Obscuros os apalavrados pertencentes aos dias distantes
Ditam aos corpos, nãos e nãos, soltam das mãos
Alianças, anéis, esticadas cordas elásticas

A banda passou pela praça e silenciou
Palavras de amor fora, ordem do dia
Nas bocas dos cantos fala-se de seres que cospem fogo
Também pelas ventas. O vento leva, mas também traz palavras
De dor com gosto de fel. A festa acabou

segunda-feira, 16 de novembro de 2009

Apenas em um olhar



foto_Karina_ Bertoncini

Apenas em um olhar
Regina Romeiro

Guardo como relicário em meu coração esse segredo
Depositado em aveludado tecido
Tesouro que no olhar são olhos de carícias
Tecidos em reclusas horas, depositadas horas de pensar
Perfurando veludo com agulha de bordar

E bordo flores, coloridos ramos
Com linhas de seda sobre veludo
Carícias sim, lascívias sementes de botões em flor

Tecidos, desenhados corpos na memória
Encerrados em porta jóias, mas expostos
Aos toques aos cheiros aos olhos. Por inteiros.
E encerra no espaço os sentires todos
Que meu corpo encerra.

Mas que nesses olhos meus no sentir de agora avança mais e mais
Na divisão do espaço

Bailarina em caixa de veludo me refaço a cada passo
Dentro do espaço que ocupa o mundo resguardado
O mundo edificado verso a verso em segredo
Devaneios recitados um a outro
Esse segredo que nos faz cativos juntos
Esse degredo que nos isola e mata de amar
Apenas em um olhar
Esse segredo que temos nós no saber ressuscitar

Exílio que produz isolamento do mundano
Que nos torna laços
Cativos em nossos olhos
Retina que nos prende no que parece ser
Um escalar montanhas, um reflorir, um desmedido amor
Um declamar aos céus, um declarar sentires
Em par. Um para sempre

A mesma língua


fotografia: Guilherme Santos

A mesma língua
Regina Romeiro

Toco com minha palavra o teu país
Cruzo fronteira pedindo licença
Teu aceite incita reconhecimento

Passeio os olhos no pomar e na floreira ofertados
Toques e cheiros impregnados na memória afloram
Linguagem dos olhos esculpindo templo

Olhos para o mesmo sol
E o deus exposto sussurrando
Ouço ... reconheço. A mesma língua.

sábado, 14 de novembro de 2009

Antevejo


arte:Gockel

Antevejo
Regina Romeiro

Definitivamente gosto dos azuis
Azul marinho
Azul do céu
Azul na camisa do homem
Este que caminha e me olha

Estendo rosas
Que também gosto
Textura, aroma e beleza
Um maço delas viçosas

Sedas, também gosto
Do toque, transparência
Leveza tais asas
Da fêmea gaivota
Espelho que vejo

Antevejo o azul
As rosas e a ave
atados

sexta-feira, 13 de novembro de 2009

Além do peso


fotografia: Diogo Ramos Moreira


Além do peso
Regina Romeiro

Balança a visão
Ao olhar a precisão
Da carga que se leva

Nas costas largas
Carga pesada
Dói estômago

Coração oco
Peso em excesso
Mundo funesto

quinta-feira, 5 de novembro de 2009

Milagre



Milagre
Regina Romeiro

Peço o milagre da presença peço um sinal à vista
Nos meus olhos um milagre aconteça para que possa enxergar a vida
Enxertar-me em teus braços como galho viçoso a desabrochar
Botão se abra e outros botões se mostrem, padeço ainda da espera

Compadeço-me desse corpo que desaguado aguarda. Em solidão observa
Silêncio.
Desassossego que deu vez a apatia
Que uma mudança ocorra em tempo no modo, na lentidão do vento e das águas

Onde anda o mar, os mangues, os barcos, as estrelas e as luzes dos pirilampos?
A água doce não corre mais por esse tempo, esse tempo seco de palavras, de olhos nos olhos
A mina... ah a mina aguarda ser procurada, provocada para verter
A mina que apura o gosto do mar com gosto. Que saboreia a confluência

Inércia invade essa falta e falta o milagre, o sinal de algum acontecimento
Tudo se faz oco nesse corpo que já vibrou, encantou se encantou foi confluente
Foi amante ao som de cânticos
Foi harmônico ao som do samba carregado de desejos loucos

Insanidade no querer o milagre ou lucidez da constatação da falta?
O corpo não sabe responder nem mesmo o coração e o sentimento verte no corpo
Na procura da mina de água
Onde anda meu tesouro é a razão da necessidade do milagre à vista


Publicado no Recanto das Letras em 05/11/2009

Código do texto T1907038

http://recantodasletras.uol.com.br/poesiasdeamor/1907038