quinta-feira, 10 de dezembro de 2009

Ameaça


arte de Mimmo Rotella

Ameaça
Regina Romeiro

Há ameaça no céu da cidade
O tempo todo, segundo a segundo
Como um cuco disparado
Cuco, cuco, cuco

Alerta ameaça
Acontecimento, sempre nova ameaça
Em Heliópolis nas casas dos pobres
Nas ruas do Morumbi
Em Moema, Perdizes
Dizem os céus

Há ameaça, há acontecimento
Há um avião sobre a Avenida Rubem Berta
Há constantemente uma ameaça
Há um assalto na alameda e uma idosa
Quase morta de medo

Há ameaça de não chegar a casa
Carros não andam
A vida anda e cobra
Dizem que a fila anda

Mas não anda também a do Banco
Há ameaça de perder hora do almoço
Há sempre ameaça de fome
De sorriso e abraço
Há fato consumado
Pessoas acostumadas a passar fome
E passam

Passa pelo céu da cidade a ameaça
O cuco canta e canta

Capricho



Capricho
Regina Romeiro

As pernas todas amarradas
Atadas por corte
E foram flores livres
Sem pés foram juntadas

Por capricho

Farão parte da decoração de um casamento
Um par que pretende se juntar
Caminhar cada um com os próprios pés?

sábado, 28 de novembro de 2009

A culpa é da chuva


obra de: Alberto Viana D'almeida

A culpa é da chuva
Regina Romeiro

A culpa é da chuva
Da água que urra no escuro salgando pálpebras
Tecidos
Da fresta gotejam constantes pingos em is

Frenesis soterrados permitem brotar os assombros
Os olhos do escuro piscam
Sinal a sinal os anais, ano após ano, dia após dia
Lua a lua sol a sol o domínio

Dos claros sóis agora da chuva o escuro
A culpa é da chuva, do estar no escuro
E só
Com os sinais os anais

Mal estar é estar ouvindo no escuro
Histórias de sempre
Mentem e metem aos olhos fechados
Histórias do olho do rei

sexta-feira, 27 de novembro de 2009

A festa acabou


arte:Girl_Charlie Mackesy

A festa acabou
Regina Romeiro

Consiste o cisco em peso
Sobre e contra. Afronta
Uma de cada vez continuada
Pressão contenção invasão
Tampa apertada não abre. Explode

Sobem sob riscos os desenhos expostos do dia
Contornos imperfeitos encrespados agridem papel
Quadros que pedem molduras, arcos. Também flechas
Ligeiras são. Na ponta da lança a razão
Pontuada na ponta do lápis afiado. Correção

Correm soltas e livres enormes palavras. Palavrões
Atropelam-se sobre as pedras ladeira abaixo
Obscuros os apalavrados pertencentes aos dias distantes
Ditam aos corpos, nãos e nãos, soltam das mãos
Alianças, anéis, esticadas cordas elásticas

A banda passou pela praça e silenciou
Palavras de amor fora, ordem do dia
Nas bocas dos cantos fala-se de seres que cospem fogo
Também pelas ventas. O vento leva, mas também traz palavras
De dor com gosto de fel. A festa acabou

segunda-feira, 16 de novembro de 2009

Apenas em um olhar



foto_Karina_ Bertoncini

Apenas em um olhar
Regina Romeiro

Guardo como relicário em meu coração esse segredo
Depositado em aveludado tecido
Tesouro que no olhar são olhos de carícias
Tecidos em reclusas horas, depositadas horas de pensar
Perfurando veludo com agulha de bordar

E bordo flores, coloridos ramos
Com linhas de seda sobre veludo
Carícias sim, lascívias sementes de botões em flor

Tecidos, desenhados corpos na memória
Encerrados em porta jóias, mas expostos
Aos toques aos cheiros aos olhos. Por inteiros.
E encerra no espaço os sentires todos
Que meu corpo encerra.

Mas que nesses olhos meus no sentir de agora avança mais e mais
Na divisão do espaço

Bailarina em caixa de veludo me refaço a cada passo
Dentro do espaço que ocupa o mundo resguardado
O mundo edificado verso a verso em segredo
Devaneios recitados um a outro
Esse segredo que nos faz cativos juntos
Esse degredo que nos isola e mata de amar
Apenas em um olhar
Esse segredo que temos nós no saber ressuscitar

Exílio que produz isolamento do mundano
Que nos torna laços
Cativos em nossos olhos
Retina que nos prende no que parece ser
Um escalar montanhas, um reflorir, um desmedido amor
Um declamar aos céus, um declarar sentires
Em par. Um para sempre

A mesma língua


fotografia: Guilherme Santos

A mesma língua
Regina Romeiro

Toco com minha palavra o teu país
Cruzo fronteira pedindo licença
Teu aceite incita reconhecimento

Passeio os olhos no pomar e na floreira ofertados
Toques e cheiros impregnados na memória afloram
Linguagem dos olhos esculpindo templo

Olhos para o mesmo sol
E o deus exposto sussurrando
Ouço ... reconheço. A mesma língua.

sábado, 14 de novembro de 2009

Antevejo


arte:Gockel

Antevejo
Regina Romeiro

Definitivamente gosto dos azuis
Azul marinho
Azul do céu
Azul na camisa do homem
Este que caminha e me olha

Estendo rosas
Que também gosto
Textura, aroma e beleza
Um maço delas viçosas

Sedas, também gosto
Do toque, transparência
Leveza tais asas
Da fêmea gaivota
Espelho que vejo

Antevejo o azul
As rosas e a ave
atados

sexta-feira, 13 de novembro de 2009

Além do peso


fotografia: Diogo Ramos Moreira


Além do peso
Regina Romeiro

Balança a visão
Ao olhar a precisão
Da carga que se leva

Nas costas largas
Carga pesada
Dói estômago

Coração oco
Peso em excesso
Mundo funesto

quinta-feira, 5 de novembro de 2009

Milagre



Milagre
Regina Romeiro

Peço o milagre da presença peço um sinal à vista
Nos meus olhos um milagre aconteça para que possa enxergar a vida
Enxertar-me em teus braços como galho viçoso a desabrochar
Botão se abra e outros botões se mostrem, padeço ainda da espera

Compadeço-me desse corpo que desaguado aguarda. Em solidão observa
Silêncio.
Desassossego que deu vez a apatia
Que uma mudança ocorra em tempo no modo, na lentidão do vento e das águas

Onde anda o mar, os mangues, os barcos, as estrelas e as luzes dos pirilampos?
A água doce não corre mais por esse tempo, esse tempo seco de palavras, de olhos nos olhos
A mina... ah a mina aguarda ser procurada, provocada para verter
A mina que apura o gosto do mar com gosto. Que saboreia a confluência

Inércia invade essa falta e falta o milagre, o sinal de algum acontecimento
Tudo se faz oco nesse corpo que já vibrou, encantou se encantou foi confluente
Foi amante ao som de cânticos
Foi harmônico ao som do samba carregado de desejos loucos

Insanidade no querer o milagre ou lucidez da constatação da falta?
O corpo não sabe responder nem mesmo o coração e o sentimento verte no corpo
Na procura da mina de água
Onde anda meu tesouro é a razão da necessidade do milagre à vista


Publicado no Recanto das Letras em 05/11/2009

Código do texto T1907038

http://recantodasletras.uol.com.br/poesiasdeamor/1907038

quinta-feira, 15 de outubro de 2009

Mágoa


foto:Karina Bertoncini


Mágoa
Regina Romeiro

Quando o vento e a chuva dão trégua
Eu saio para a rua
Embora muda me exponho

Quando o tempo vira
Viro-me de bruços
Não olho

A chuva pesada
Faz peso em meu peito
Apertado

segunda-feira, 12 de outubro de 2009

pássaro de aço




Pássaro de aço
Regina Romeiro

Suas asas são apenas de penas
(Penas podem causar penas no céu)
O aço não sabe evitar no espaço
O preto tingir de sangue asa da máquina e da vida

sexta-feira, 9 de outubro de 2009




De passagem
Regina Romeiro

De passagem
traça ponto, avança, marca encontro
estanca sede/cede

egocêntrica, na secura distancia
obstrui, dissimula
muda

na passagem, passa-moleque

sábado, 3 de outubro de 2009

Compasso


obra de arte: Graux

Compasso
Regina Romeiro


Tu, somente tu percorres meus contornos
Compasso da paixão
Que não passa mesmo enquanto o tempo passa
Tudo passa não o teu compasso

És tu a vibrar em meus tecidos
Nas entranhas, tu és chama
Tu me chamas pra teus passos
Tu ocupas meu espaço

E solta, voo, entrego-me afago-me
Na tua vaga
Tentáculos que me tocam
Oceano da tua carne

E há fome nessa que te espera
Há sal solidificado
Há água doce de rio
A correr

quarta-feira, 30 de setembro de 2009

Nada


foto de Guilherme Santos



Nada
Regina Romeiro

Nada a reescrever, nada
Apenas há o encerrar do dia o entrar da noite
O escuro pronto
Para o encontro do nada

Não nado mais
Nem mesmo me largo nas ondas
A maré me largou na variação
Da lua e do sol – eclipse

Deixei de ser
Nadadora de ondas salgadas
Navegante de doces águas
Receptora do calor do sol e namorada em noites de lua

Deixei para trás, encalhado
O barco do amor
Penas dispersas no céu lastimam
Eu expio

Não reflito, não lembro, não espero

quinta-feira, 17 de setembro de 2009

Caminhos



obra de arte:Gabriela Kozlowski

Caminhos
Regina Romeiro


Caminho a esmo
Mesmo
Por sorte encontros
Pássaros cantos encanto
Quireras do mundo, sustento
Alento

Da vida dependo
Do fio, do pavio, do eixo da roda
Do carro de boi gemendo cantiga
Fadiga que tem seu destino

terça-feira, 8 de setembro de 2009

Constelação


arte: Lago-de-los-cisnes-Marta Gottfried

Constelação
Regina Romeiro

Estrelas cadentes
Pendentes dos teus olhos meu amor
Em lascivos códigos
Os meus precisam, relutam em tua ausência

É necessário pôr fim nesta distância. Escuridão.
Falta doçura, o brilho, o encanto
Meus olhos amor
Voltam-se aos cantos, sorrateiros

As lágrimas são pingentes agora freqüentes
Rolando em minha face, pálida face
Fez-se esquálido o novo sem teus olhos
Revolvo na lembrança um fio de luz

Falta o sol dos teus olhos
Falta o brilhante fulgurante
O precioso em minha vida
Agora aflita

Meus sóis, meus sorrisos e
Gestos transitam na busca dos teus brilhos
É tudo manso, sombras e frios
Planeta lento

Faça-se alento amor, amor meu. Meu paraíso
Devolva-me o sorriso que levaste
O brilho que guardaste
São todos meus tesouros

Faça-se alento amor, amor meu. Meu paraíso
Faça-se constelação
A que é sua e minha
A que envolve entranhas

Constelação que se reflete nas membranas
Espelho refletido dos meus dias
Respiração
Cadenciada das estrelas

Intenso amor


arte:Cooper

Intenso amor
Regina Romeiro

Devora agora a dúvida
Escreva com letras vivas
Bem fundo
Aprofunda, inscreva-se
Cala-me os pedidos
Mata-me de amor

Invada, inunda
Aguardo-te em dúvida
Deságüe-me
Em lírios
Os campos pedem
E se estende a relva

A poesia viva pulsa
Reclama e chama
Acende intensa e mansa
Amansa na incerteza
Há esperança de que não morreram
A relva e os lírios do campo


publicado no Recanto das Letras em 08/09/2009
código do texto:T1798235

sexta-feira, 4 de setembro de 2009

Prazer


El-ultimo-baile-Robert Duval

Prazer (II)
Regina Romeiro

O meu lado de fora reclama
E meu lado de dentro grita
Para o lado de fora e não há resposta

Silêncio repetido deixa o corpo partido
O coração dividido em pedaços
Exaustos sentires fraturados

E nada, o nada acontece
Como se possível fosse. E é
O nada e o silêncio e a ausência repetida

Partida que partiu em pedaços
Deixando intacta a paixão com razão
No tremor nos desejos todos No prazer

quinta-feira, 3 de setembro de 2009

Pena



Pena
Regina Romeiro

Na pena do poeta
Alvará de soltura
Libera letras

quarta-feira, 2 de setembro de 2009

Beijo não dado



imagem: arte_Juliana_Scheuer

Beijo não dado
Regina Romeiro


Na boca do estômago o beijo não dado
Negado
Por nada por tudo

Por abuso
Dói o beijo não dado
Fica colado calando

O beijo não dado mata
Do coração
E maltrata a canção

domingo, 23 de agosto de 2009




obra de Portinari - Pipas 1941


As pipas - Regina Romeiro

para meus filhos

Em papel de seda dobrou imagens
Criou com suas mãos de seda
Ou de pétalas, para não machucar
Mãos que se usa para o sagrado
Usou antes a seda rosa depois a azul
Rosa rara e azul celeste pensava ela
Enquanto desenhava imagens na alma
Imagens destas que são arte para sempre
Fazia pipas... uma rosa e uma azul
E as queria delicadas, sensíveis as suas cores
E um tanto forte para que não sofressem tanto aos ventos
Para que resistissem nos tempos dos lamentos
Ah... somente Deus, deuses, os pássaros, as montanhas
São capazes de recepcionar no céu de cada dia
Pipas rosas e azuis criadas assim
É infinito como o céu o sentimento da criação
E assim foi feito, assim foram feitas as pipas
A rosa e a azul
E havia harmonia entre essas cores, nas dobras,
Nas imagens resultadas de cada uma


Nas manhãs seguintes subiu a montanha levando as pipas
E foram muitas manhãs, algumas de fortes ventos outras de ventos quentes como carícias
E as sedas sentiam os diferentes tempos do tempo sem se soltarem da escultora de imagens
Certa manhã, destas que o sorriso é aberto, que a pele sente irradiar calor
Que o coração esbanja razões de existir
Ela levou as pipas, era momento de partir
Partir, voar, viajar é destino das pipas
Subiu com elas a montanha pela última vez
Amarrou as linhas no corpo de cada uma delas
E as atou ao seu dedo médio, deixou que elas voassem
Cada vez mais alto, cada vez mais livres
Elas voaram tanto e aprenderam muito
Mas faltava mais tanto e aprender é sempre
E pronta não estará a vida como a pipa feita sendo olhada
E ela olhava de baixo para cima até apertar os olhos pra enxergar
Elas voavam até então atadas ao dedo
Vôos planados, vôos vazantes, vôos belos, ora torturantes
A escultora soltou o dedo e sozinha Desceu a montanha ao findar daquela manhã*

sábado, 13 de junho de 2009

despedida



arte de Egon Schiele

Despedida
Regina Romeiro

A mãe levou pela mão
Buscou
Deixou na hora os ponteiros parados
Silêncio mãe terra, silêncio na serra
Garoa em cânticos
A reza do terço em respeito
A mãe e a hora
É hora de ir
Embora pra mãe e pra flores
Pra pena que fica lamentos e dores
* Aqui minhas saudades ao querido amigo Paulo Jacintho
que se despediu da terra ontem

domingo, 15 de março de 2009


Ficaste para sempre
Regina Romeiro

Ficaste em mim para sempre
Costurado
Entre meus mais íntimos segredos
Deixaste tua marca cravada
Como mordida na maçã

Nos pêssegos as palavras dos versos
Nos subterrâneos, estalactites pendem
Pedem tua presença
Chorando escorrem vagarosamente
Tecendo continuamente o para sempre

Deixaste-me, mas saiba que ficaste
Para sempre

sábado, 14 de março de 2009





Calo
Regina Romeiro

A noite vagueia
Sem vaga alguma
Para queixumes

Noites são feitas
Para trabalho
Nas fábricas, nas vigilâncias,
Nos bares onde outros se divertem

Vaga-lumes
De barrigas luminosas
Sugam raízes decompostas

Formigas operárias cumprem
Além do horário e função
A luz forte cega a ruiva aurora

Quando o uivo do cão silencia
O galo canta
Saltam penas aos olhos
Calar os calos dos pés operários

Cala nos ouvidos
O canto dos fieis da procissão
Andor e dor passo a passo
No mesmo compasso

O santo é de barro
O mesmo barro da criação
Dos homens
Dos bons e maus

O barro que molda santo, um dia pode quebrar
O barro do homem
Degenerar






Atos e fatos
Regina Romeiro

Entre o crer e o não crer
Os fatos
Apenas fatos e atos
Com efeito espera-se
Atos próprios
Resultam impróprios
Inadequação dos atos
Reflexo anverso
Complexos versos
Revistos os fatos
Ação re_visão dos atos
Visão dos fatos
Distratos ou novos atos