quarta-feira, 20 de outubro de 2010

Amor com amor se paga



foto por Fernando Figueiredo e Maria Flores


Amor com amor se paga
Regina Romeiro

E te afasto e te esqueço dos meus pensamentos
Minto, leio
Visto-me, ensaio sair, saio, desato do que me prende
Mente quem diz que amor com amor se paga
Amo e não me pagam
Matam-me. Findo, minto. Caminho no remoinho
Ninho, onde está?

Leio-me, dispo-me, chego a me prender
Para tentar aprender a mentir
Não sei ir, sei ficar a me torturar
A sentir que amor com dor se paga
Findo em meu ninho até curar

quarta-feira, 11 de agosto de 2010

Desgaste




Desgaste
Regina Romeiro

Faz-se esquecimento
Faz-se
Muda-se o rumo

Forma do desgaste não há como ser reconstituída
Elástico que perdeu a elasticidade não volta a ser
A ter a mesma resistência, afrouxou-se

Não há o que segure o que definhou
Elásticos, vontades, relacionamentos
Momentos

Perdido vigor
Perdido está
Jaz

Há que ser encontrado outro caminho
Outro elástico, outra vontade, outro relacionamento
Outro rumo na busca do prumo
E a graça se faz

Mentira





Mentira
Regina Romeiro


A mentira rompe aliança
Avança
Mal e mal caminha
Desbunda afunda ideal

Casal, jornal, política
Futebol, fórmula um
Carnaval
Estimação, putrefação

Estimar o quê?
Acreditar em quê?
Funeral
Dimensão do mal

Mal visto veste
Investe na fantasia
E vai-se, se esvai, foi-se
Escafedeu-se

Foice
Em plena vida a verdade
Abatida

quarta-feira, 14 de julho de 2010

Espelho meu



foto: Carlos Carreira




Espelho meu
Regina Romeiro

No espelho, eu
De rosto, de frente de lado
Resultado frustrado
Só visão reflexa do vidro
Aparelho sorrindo

Anverso
Um verso trans_parente
Da taça em cristal
Mal
Traçado, transpassado
Passado aparente no verso

Partidos quartzos
Facetas do mal
Trancados
Agora partidos em partes
Estilhaçado um só verso em partículas

Contido em pedaços
O verso do reflexo do espelho
Sem sorrir
Levado a partir na lixeira

quarta-feira, 7 de julho de 2010

Para sempre



foto por marlene nobre

Para sempre

Regina Romeiro

Não há como descosturar o que foi tecido com ternura
Fios da alma
Momentos, laços, abraços que vestiram razões do existir
Vestido está para sempre

Vestes que transparecem no passeio diário dos olhos
Saboreiam cada pedaço do dia
Olhar os gerânios nunca é solitário com as vestes de sempre
O bosque exala o seu frescor ao sabor do amor incorporado

Em cada recanto a presença que se fez
Que se tornou e que transbordou é verdade por amor demais
Esbanjou de tal maneira que se foi em partes debandado
Mas no corpo o sentir conserva-se intacto

Vestida assim a vida faz sentido e é solenidade
Comemoração do princípio da felicidade
Aceitação da única verdade, verdade lavrada
Substância do sempre, sulcada está para sempre

domingo, 20 de junho de 2010

Perco a paz



imagem: Monet

Perco a paz
Regina Romeiro

Entre uma coisa e outra
Há sempre uma ostra
Salgada ou doce
Prendendo-me, colando-me a outra circunstância
Ora me espraio em prazer me lançando ao mar
E me largo
Ora é lodo movediço
E me movo com dificuldade
E a outra coisa rouba em brevidade
Salgado ou doce podem dar prazer
Assim como sorrir ou chorar
Mas o limo me torna verdadeiramente incapaz
Entre uma coisa e outra
Perco a paz

domingo, 6 de junho de 2010

Não matarás





Não matarás
Regina romeiro

Religião poder
Ser
Em nome da legião
Violência aquiescente
História, glória de que?

Antes de Cristo
Pós- Cristo
Isto
Sangue,
Legião gangue?
Finalmente, quando?

Violência física castiga
Moral em nome do mal
O que é bem ou mal?
Além do amor, lei universal

Não matarás não agredirás
Respeitarás
Corpo e alma
Teu como meu
Nosso como vosso

A paz convosco
Convoca
Peito aberto e
Que jamais a cilada
Seja avocada
Em nome da fé

sábado, 22 de maio de 2010


obra de arte de Pietro Annigoni


Meretriz
Regina Romeiro

Usava saia de lamê vermelho sangue
Justa, posta
Curta metragem
Chamaram-na de puta
Ela muda

De calçada, pensando mudar a fama
De lama
Nas mentes doentes
Ela insanamente
Pensava essa possibilidade

Vista como libertina quando assim se vestia
Ia como manda a caftina
Meretriz sim. Por dinheiro vendera liberdade
De dar-se por amor
De beijar, de sentir, ir e vir

Satirizada assim doía-se
Da falta do travesseiro, sonhos
Melhores dias, peito vazio de afagos
Caminhava muda, fazia-se de surda
E passava...

quinta-feira, 29 de abril de 2010



fotografia por guilherme santos

Verdade
Regina Romeiro


É inacessível a verdade de cada um
Não sei a minha, não saberei a tua
Mesmo virando no avesso roupagem íntima
Não saberei da verdadeira qualidade nela intrínseca
Não saberei como resistir
Não conheço limites humanos
Desconheço simplesmente por ser desconhecido
Por nada mais
Os desejos, as mágoas, as maledicências, as pragas rogadas
As intimidades todas que cabem dentro do prazer
Saudável ou mórbido ou sádico
O indivíduo é essa caixa de surpresas nunca reveladas
Sorri e odeia aquece e abana
Embala interesses, encontro de idéias
Repele diferenças
Ou aceita na intimidade de si mesmo de ninguém mais
Ou se recusa, recusa-se
Repele sua essência
Não alimenta sua satisfação
Não conhece o ser
Conhecimento é essa gama de letras de imagens
Sons idéias olhadas, apenas olhadas
Satisfação é esse rastro apagado
Essa coisa pisada dentro de cada ser
Esquecida da mãe, da natureza das coisas
Da beleza, da inteireza, essa é desconhecida
Não nos reconhecemos não conhecemos o outro
E a verdade, o princípio fica sendo a incógnita
O fim não da finalidade, mas o fim dos tempos,
O fim dos sentimentos, o acabou
Ou o que não se enxergou e não vingou
Não, não me conheço.

O tempo não pára



fotografia por: rgonçalves


O tempo não pára
Regina Romeiro

Da mudança foram três anos e ainda jaziam caixas como velhos baús
Nelas enterrados: biquínis, cangas, fantasias de carnaval dos velhos tempos
Os quadros de que mais gostava empapelados
Melhores louças, taças
Embalados em papéis de seda, sepultados

O tempo passara, como sempre, pois tempo não pára
Tempo bom ou mau anda, comanda, marca
E não chama, há que se tocar com o tempo
Há que desfrutar, amar, odiar por um tempo para melhor passar o tempo
Tropeçar e chutar o balde, mas em tempo

Amadurar o tempo, cantar no tempo, ler, compreender
Mas sem esquecer o tempo
As caixas foram esquecidas, os pacotes, as sedas
O coração, o corpo
Tudo esquecido dentro do tempo

Porão cheirando a guardado, sedas amareladas
Vida descuidada, tempo escoado
Decidira mexer, mudar, renovar
Abrir o quarto que permanecera trancado
Conferir os salvados, jogar os perdidos, mofados, manchados

Balanço:
Entre perdas e ganhos, mais perdas
Jogara com o tempo a seu desfavor
Ficara mais velha, meio triste, pesada
Não era a mesma e não sabia mais usar as fantasias

Muitas peças ao lixo, outras ao sol
Outras para tentar tirar marcas do tempo guardado
Tempo que não dá trégua
Amanhã, se amanhecer um lindo sol é necessário aproveitá-lo
Se chover, chorar

Chorar é bom e o sol sempre aparece e quando ele chegar o bom em tempo é secar as Lágrimas e se derreter

sexta-feira, 8 de janeiro de 2010

Cinzas



obra: Matisse


Cinzas
Regina Romeiro

Fluiu o tempo, sem alento a dor de sempre
De nada, de graça, de acontecimento
Mais um verão, mais um natal e mais um carnaval no calendário

Estive de portas e janelas abertas
E a espera
A mesma, os mesmos anjos, cânticos, trombetas anunciando
Renascimento, ano novo
Virão as cinzas
Ainda no verão
Fatalmente

Finalmente?

18 dezembro 2009